Terramar, 3 de Julho
Meu querido Zé
Escrevo-te, pela última vez, porque, como compreenderás mais à frente, não poderia dizer-te o que te quero dizer falando contigo.
Chamo-te Zé porque é esse o nome, é esse o grito que sai de dentro de mim nos momentos em que o prazer é mais forte, quando a morte me faz renascer, pois que um orgasmo é ambas as coisas: morte e renascimento.
Esses momentos têm-se repetido ultimamente muitas vezes nas noites em que me sei sozinha, sem testemunhas. Foram a forma que encontrei para não sucumbir perante a dor, ou as dores, que há demasiado tempo me desassossegam e me retiram a pouca vontade que tenho de continuar aqui, sentindo-me impotente para encontrar em cada dia uma razão para estar viva, para fazer desta terra um mundo melhor.
É verdade, como disseste na nossa última conversa, que o mundo não muda só com a minha vontade, nem de um momento para o outro.
É verdade que a felicidade não é um estado permanente e que há milhentas pequenas coisas belas, a que muitas vezes não damos importância, que fazem com que a vida mereça a pena ser vivida.
É verdade que gosto destes pinheiros e desta água toda e do vento e dos pássaros e do sol e, sobretudo, do quarto crescente que vai brilhar mais logo no céu.
Mas por mais que eu goste destas coisas e de muitas outras, aquelas de que não gosto são muito mais e muito mais fortes. Há anos que carrego o mundo sobre os meus ombros e já não aguento mais esse peso que me sufoca e dilacera.
Falámos das muitas coisas que me fazem sofrer, da forma como por vezes parece que as procuro ou provoco. Falámos das guerras em que inevitavelmente acabo por entrar. Falámos, ainda, das muitas razões para se estar vivo e dos vários subterfúgios a que posso recorrer para não me sentir tão infeliz.
E contudo não falámos daquilo que mais gostaria de te dizer. Não te falei de como me sinto feliz de cada vez que encontro o teu olhar, de cada vez que oiço a tua voz, de cada vez que leio o que escreves, que vislumbro a tua silhueta, que oiço, leio ou pronuncio o teu nome. Não te falei de como me sinto feliz sempre que grito o teu nome na solidão da madrugada. Não falei de como me sinto em paz quando me apertas com força. Não te disse como me sinto a viajar entre galáxias, mais leve que um colibri, e da alegria inefável que me inunda quando fazemos amor.
Não te falei de tanta e tanta coisa que gostaria de te dizer porque as palavras que conheço não são suficientemente claras para descrever todas as emoções que tenho sentido nos últimos meses, quando estou junto de ti ou quando te sonho a meu lado.
Não te falei de como o vento é mais suave e o céu mais azul, de como as estrelas brilham mais e os pássaros cantam melhor e as flores ganham novas cores e novos aromas quando estamos juntos.
Infelizmente, no que respeita aos meus sentimentos em relação a ti, só te mostrei o lado mau: a dor, o desespero, a necessidade de me afastar, de fugir.
Infelizmente não te falei de como aprendi contigo a gostar de estar viva, a rir, a apreciar as pequenas coisas do dia a dia.
Infelizmente não te falei de como foste vital para mim nos últimos tempos, de como me mantiveste presa à vida, de como foste o bálsamo para apaziguar a dor desta moribunda que sou.
Sei que te vou desiludir, mais uma vez, com a atitude que vou tomar. Contudo não gostaria de partir sem te pedir mais um pouco de paciência e sobretudo que nunca, mas nunca te sintas minimamente culpado por aquilo que vou fazer.
Gostava que de mim guardasses apenas os bons momentos em que estivemos juntos como colegas, amigos e namorados, quiçá até como amantes.
Lamento imenso desiludir-te, a ti e a alguns outros amigos. Não era essa a minha vontade e por isso demorei tanto a decidir-me.
Lamento ainda não saber encontrar palavras bonitas para te dizer quanto te amo, por isso te deixo este livro “ As palavras que nunca te direi”. Espero, ainda, que tal com Garrett encontres um dia uma “Theresa” que te dê toda a felicidade que mereces.
Um beijo.
Maria